Ciúmes virtual

“Nosso tempo, sem dúvida… prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser …” (Feuerbach)

Guy Debord, o criador do conceito de “sociedade do espetáculo” em seu livro “La société du spectacle” publicado em 1967, definiu o espetáculo como o conjunto das relações sociais mediadas pelas imagens.

(Para quem, assim como eu, já ouviu falar da obra mais célebre do escritor francês, mas não a leu na íntegra, existe um filme sobre o tema no Youtube. Segue link: https://www.youtube.com/watch?v=q0AJ66Rb-1o)

De acordo com as teorias de Guy Debord no livro, o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas – permeada pelo consumo, disseminada por imagens.

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Não vou me ater a questão do consumo, muito embora esteja intimamente ligada a  atual espetacularização da vida – é só observar nas timelines das redes sociais o bombardeio de imagens do tipo “veja o que e onde estou comendo”, “veja o carro novo que comprei”, “veja o quanto gastei na minha festa de casamento”, “veja meu relacionamento perfeito”; onde o número de “curtidas” é proporcional ao quanto custou ou pareceu ter custado cada “experiência” e a quanto a pessoa diz ser mais feliz – mas a um outro aspecto que essa característica imagética das nossas vidas afeta: ao modo como nos relacionamos e nas relações propriamente ditas.

Há uns dias atrás, uma amiga comentou comigo sobre umas mensagens que ela recebeu de um amigo dizendo que uma ficante havia reclamado com ele porque ele tinha começado a seguir esta minha amiga no Instagram. Eu já vinha refletindo sobre ciúme virtual há um tempo. E depois dessa minha amiga ter reclamado comigo sobre a perturbação desnecessária, resolvi escrever sobre.

Antes da criação do Orkut em 2004, a “manutenção” dos relacionamentos era feita através do telefone fixo, orelhão, carta – isso porque, pelo menos no Brasil ainda não era uma época favorável para todos adquirirem computadores, celulares e mesmo nas casas que tinham internet, os usuários tinham que ter uma dose extra de paciência para esperar conectar após a discagem. O que dificultava, entre outras coisas, o uso do nosso saudoso MSN, por exemplo.

Com e após a criação das redes sociais, da internet móvel e com o constante avanço tecnológico; o modo como nos relacionamos passou (e continua passando) por grandes transformações: desde então, o rótulo passou a ter muito mais importância do que sempre teve – antes era o “Namorando” hoje é “Em um Relacionamento Sério” – porque para quem tem mais de 30 anos, nosso “status” amoroso era restrito ao nosso círculo de convivência real. (Aspecto esse, que facilitava, por exemplo, esconder a infidelidade por mais tempo e muitas vezes por toda uma vida. Porque você podia ser quem você quisesse, adotar o estado civil que melhor se encaixasse na situação, desde que estivesse fora do seu círculo real e cotidiano de convivência). Atualmente, ter o status virtual de relacionamento atrelado a outra pessoa e mais do que isso, expor esse relacionamento, chega até a ser um dos requisitos de uma vida que deu certo. É também uma forma de você checar previamente se não está entrando numa furada começando a se relacionar com alguém comprometido.

À medida que a exposição da vida íntima e a digitalização das relações foram aumentando, a figura do ciúme e da traição virtual ganharam forma e novos conceitos para designar comportamentos foram surgindo: ghosting, haunting, benching, stealting, cuffing season, tuner, the lemming, situationship.

E com as relações com laços cada vez mais momentâneos, frágeis e volúveis; a possibilidade de conflitos, desencontros e equívocos aumentou drasticamente. Relacionamentos são desfeitos por conta de uma “curtida” mal explicada ou por conta de um “começou a seguir a colega gostosa do trabalho”.

O paradoxo da coisa reside no fato de que, mesmo com a volatilidade das relações e das facilidades para trocar de parceiro; nunca estivemos tão sós, tão necessitados de amor e do outro. E o problema, ao meu ver, se encontra nesta facilidade, nesta insegurança. Porque arrumar alguém não é difícil, difícil é manter.

Nessa cultura do “seja feliz o tempo todo” (como se isso fosse possível), ao menor sinal de problema ou defeito do outro, nós o substituímos. Quem, com todo o estresse da vida moderna quer ainda ter que lidar com a falta do outro?

Ao mesmo tempo, quem quer ser preterido? E aí com todo esse universo de possibilidades e pessoas a nossa disposição, começamos a nos vigiar virtualmente e a nos chatear mutuamente demandando explicações acerca das nossas atividades online. Como se esse controle em si pudesse nos livrar das frustrações amorosas.

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O que fazer?

Difícil dizer porque o mundo não vai mudar só porque estamos com medo de perder a pessoa amada pra primeira bunda com fio dental ou pro primeiro bombado de sunga que aparece no Instagram. Nós continuaremos nos expondo e nos auto propagandeando/promovendo. Se na década de 60 Guy Debord já teorizava sobre sociedade do espetáculo, imagina o que ele diria sobre os dias atuais. Porque pode ser bem bizarro até onde podemos ir quando o assunto é jogar nossa intimidade no lixo.

Só tem dois caminhos, penso eu: confiar em si e na pessoa ou enlouquecer e enlouquecer a pessoa.

E o que tem em comum nas duas opções é que talvez não sairemos ilesos de nenhuma delas. Confiar é tão sem garantias quanto não confiar. E o “voto de minerva” é dado pelo seu interior quando ele te diz com o que você consegue lidar e com o que não consegue.

Bom fim de semana ღ